Curralinho é um
distrito que fica a aproximadamente 50 quilômetros da cidade mineira de
Diamantina. Um lugarejo pobre, com casas humildes e onde ainda hoje muitos
vivem do garimpo do diamante. A cineasta Marília Rocha (de Aboio”) esteve nesta
localidade durante um inverno e lá realizou o documentário “A Falta Que me
Faz”, retratando a vida de um grupo de pós adolescentes. Ela utilizou um método
parecido com o de “José e Pilar”, deixando a câmera rodar e fazendo
intervenções mínimas, onde as personagens falavam o que bem entendiam e
interagiam entre elas com uma maior naturalidade, apesar de ver que em alguns
momentos tentavam passar uma idéia diferente do que eram.
O filme é bastante
simples, mas ao mesmo tempo tem em seu bojo uma grande complexidade, o que leva
muitas pessoas a saírem no meio da projeção. Igual a uma sessão de psicanálise,
as personagens vão aos poucos se acostumando com a câmera e se soltando mais,
falando sem os freios naturais da exposição que suas palavras viriam a ter.
Como não há uma introdução explicando o projeto, ele se torna um pouco confuso
e a lentidão inicial muitas vezes pode dar sono. Mas aos poucos vamos
descobrindo um mundo de falta de esperança, onde um grupo de adolescentes está
totalmente perdido, sem saber que rumo tomar na vida.
É interessante como a
desagregação familiar as transformou em jovens que não querem nada sério, só
diversão. A maioria está grávida de homens de fora que não assumem a
responsabilidade pelos filhos e mesmo assim continuam no mesmo caminho, sempre
em busca de um pretenso “príncipe encantado” que jamais irá aparecer. Os
exemplos de casamentos que elas têm são típicos do interior, um homem machista
com uma mulher submissa e isso elas não querem, só que não fazem nada (ou não
podem) para mudar isso. A vida “libertária” que vivem só faz serem vistas com
maus olhos pela sociedade local, sendo motivos de fofocas e reprovação.
Apesar da proximidade
com Diamantina, uma famosa cidade turística e histórica, em nada muda a vida
dessas pós-adolescentes. Obviamente não tem nenhuma noção de controle de
natalidade, onde o sexo é praticamente sinônimo de gravidez indesejada logo
depois. Outra coisa que apesar de não mostrada, é evidente, é como se minou a autoridade
dos pais, que no máximo dá conselhos que obviamente não são seguidos pelas
filhas. A promiscuidade também é uma constante, com troca constante de pares,
sendo que nitidamente os homens não querem nada sério com elas, pois no
interior ainda existem as mulheres para “namorar” e “casar”.
A cineasta Marilia Rocha (de “A Falta que Me Faz”) é uma das mais promissoras
documentaristas do Brasil, seus trabalhos foram apresentados em vários
festivais mundo afora. Sempre com um
olhar aguçado, consegue mostrar um lado inusitado de fatos que para a maioria
seria banal, sem maior interesse. Um dos
seus trabalhos é sobre a vida do artista plástico Acácio Videira (1918-2008),
um português que viveu grande parte da vida em Angola e também na cidade
mineira de Contagem (acabou se naturalizando brasileiro e recebeu até título de
cidadão honorário). Em seus quase 90 anos de vida, ele pode ver a transformação
do mundo em três continentes.
Acácio vivia no interior de Portugal
e era filho de um professor, ainda muito jovem conheceu a também professora
(que vivia nos fundos da casa dos seus pais) Maria da Conceição. Surgiu uma
paixão que não foi recebida pelos pais dele, ele decide ir para Angola (então
uma colônia portuguesa) onde morava um irmão e lá trabalhar, se estabelecer e
chamar a amada para ir ao seu encontro. Tudo deu certo e lá viveram muito
felizes e tiveram os filhos. Mas veio a guerra de independência de Angola em
1975 e tiveram de se mudar; em Portugal havia um franco preconceito contra os
“retornados” e acabaram se estabelecendo no Brasil.
Por trás dessa saga está a exploração
desumana do colonialismo português e também a gênese das guerras civis que
assolam África, já que eram três os grupos que lutavam pela independência e
mesmo antes da libertação, já guerreavam entre si. Acácio trabalhou em uma
grande empresa de extração de diamantes, só que no museu etnográfico da
empresa. Isso fez com que rodasse pelas tribos e fizesse contato com os
nativos. Amizade feita, filmou e fotografou festividades (muitas vezes
proibidas para forasteiros) e também adquiriu uma bela quantidade de obras do
artesanato local, hoje muito valorizadas pela área cultural.
Mas ao contrário do seu trabalho
posterior, a diretora interfere bastante na narrativa, não só com perguntas,
mas também relatado fatos, com suas viagens a Angola e Portugal, onde procurou
rever os locais onde viveu Acácio e sua mulher, chegando a encontrar Gambôa
Muatximbau, um antigo colaborador angolano que não perde a oportunidade de
expressar, no fundo, um ressentimento por eles nunca mais terem dado notícias
depois da fuja do país, já que o casal praticamente o criou. Um trabalho
interessante sobre um artista praticamente desconhecido e também um grande
aventureiro, desbravador de três continentes.
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