domingo, 26 de junho de 2011

Sargento Getúlio e Novembrada

Sargento Getúlio e Novembrada


Em sua estréia no longa-metragem, o diretor Hermano Penna toma como base o premiado romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro. Consagrado nos festivais de Gramado e Locarno, na Suíça, o filme é ambientado na década de 1940 e promove uma reflexão sobre o poder político e as relações entre o opressor e o oprimido. Destaque para a elogiada interpretação de Lima Duarte, ator presente também no curta Novembrada, que reconstitui uma manifestação popular contra a presença do presidente militar João Figueiredo, ocorrida em novembro de 1979 em Florianópolis.

Crítica

Pela honra e o livre arbítrio
Luiz Joaquim da Silva Jr.*

Talvez seja um exagero dizer que ele é uma espécie de Hamlet do sertão nordestino mas, sob uma ótica existencialista, quando o sargento Getúlio ? personagem criado em 1971 em romance homônimo, por João Ubaldo Ribeiro ? a certa altura se pergunta: ?levo ou não levo??, é à própria consciência que ele pede socorro. E tal qual o príncipe dinamarquês na peça de Shakespeare, quando diz ?ser ou não ser??, Getúlio está querendo examinar a validade de suas ações e também a legitimidade do livre-arbítrio e, principalmente, de sua honra. 

Levado ao cinema 12 anos depois pelas mãos de Hermano Penna, Sargento Getúlio, o filme, traz Lima Duarte encarnando de forma visceral o personagem título. O seu ?levo ou não levo?? diz respeito à ordem que recebeu de um superior para, literalmente, arrastar de Paulo Afonso (BA) até Aracaju (SE) um preso político. 

Mais correto é dizer que Getúlio não titubeia em cumprir a ordem. Como fiel militar que é, não examina a consciência antes de executá-la. Obedece apenas. Seu drama surge quando o que lhe parece simples e correto (obedecer a ordem) vira de ponta-cabeça com a reviravolta política que transcorre na capital sergipana. Antes de lá chegar, Getúlio escuta, desconfiado, de terceiros, que seu chefe, pressionado pela imprensa e por ordem superiores, manda libertar o prisioneiro. 

Acompanhado apenas por seu motorista, Amaro (Orlando Vieira, excelente), Getúlio reflete sozinho sobre a novidade pensando: ?Eu não gosto que o mundo mude. Me dá uma agonia. Eu não consigo entender as coisas direito?. 

A inspiração para a criação do sargento Getúlio veio a Ubaldo de um personagem real de Aracaju, na década de 1940 ? tempo e lugar onde o escritor viveu até os dez anos. O personagem é, assim, um remanescente do coronelismo. Getúlio é uma espécie de jagunço, fiel e inocente, que vê seu mundo desabar quando a lógica rústica que guiou para sua vida é abalada. Tragicamente agarrado à honra, ele decide ir até o fim, mesmo que isso o conduza à morte. 

Com o então jovem fotógrafo Walter Carvalho empunhando uma câmera 16mm (o que facilitava a captação das imagens de luta e a mobilidade pelo cenário sertanejo), Penna conseguiu dar ao filme a mesma sensação de urgência por uma reação que também perturbava a cabeça do sargento. 

O filme ganhou o título de melhor filme no Festival de Gramado em 1983, assim também como Duarte e Oliveira levaram os Kikitos de ator e coadjuvante. Penna deve muito ao Duarte. Aqui, sua combinação de virulência masculina e fragilidade humana desenham uma espécie de ?planta baixa? mental do homem simples do Nordeste. 

No ano em que foi lançado, Sargento Getúlio podia dar margens a outras leituras. Era a época da abertura política e o Brasil começava a acenar para a redemocratização ? o que significaria retrabalhar radicalmente, tanto da parte do povo quanto das autoridades, a maneira de enxergar e lidar com o poder no País. 



 O curta-metragem Novembrada, ajuda a ilustrar essa transformação. Rodado em 1998 por Eduardo Paredes (também premiado em Gramado), relata, entre o cômico e o deprimente, a manifestação popular ocorrida em Florianópolis (SC), em 1979, quando nosso último dos generais-presidentes, João Baptista Figueiredo (também Lima Duarte), esteve ali para uma cerimônia corriqueira. 

Reprimidos violentamente, os manifestantes viraram ícones do legítimo desejo de expressar seu pensamento político num país cansado da repressão. E como diz o próprio curta, foi a força do movimento que ajudou a ?pôr fim a campanha populista que pretendia dar sobrevida ao antigo regime?.

*Crítico de cinema do jornal Folha de Pernambuco, curador do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e professor da Especialização em Cinema da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).



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