sexta-feira, 8 de julho de 2011

Houve uma vez dois verões e O diário aberto de R.



Houve uma vez dois verões e O diário aberto de R.

Em pleno começo do século 21, os adolescentes representam a maior parte do público dos cinemas. No entanto, o cinema brasileiro tem pouca tradição em filmar dilemas e histórias que tratem especificamente do universo deste delicado período de passagem da infância para a vida adulta. Dentro deste panorama, o curta O diário aberto de R., de Caetano Gotardo, e o longa Houve uma vez dois verões, de Jorge Furtado, são dois dos filmes a se debruçar com mais atenção e sensibilidade aos pequenos rituais da vida adolescente, principalmente no que tange à descoberta das aventuras e desejos sexuais que tanto marcam essa fase da vida. Assim, conseguem mostrar a importância dos pequenos momentos na formação de um indivíduo.






Crítica

Rodrigo de Oliveira*
Os adolescentes no centro de Houve uma vez dois verões e O diário aberto de R., que o cineclube Budega exibe no dia 18 de junho. dividem uma mesma crença. E faz tanto sentido que sejam justo adolescentes, todos eles a um passo daquela experiência definitiva que torna a infância mais distante e a vida adulta tão inevitavelmente mais próxima. Não só Chico e Caio, os dois protagonistas, mas também seus diretores, Jorge Furtado e Caetano Gotardo, parecem acreditar nessa mesma coisa, e devotam seus filmes a defendê-la. Isso que só a sinceridade de quem está vivendo tudo pela primeira vez pode redimir de qualquer ridículo, em tempos tão descrentes como os atuais. Temos aqui dois filmes de amor, e que dele fazem sua profissão de fé.

A ameaça da desafeição, esse mal tão contemporâneo, não poderia passar ao largo. Ela é, em graus diferentes, a grande força-motora dos filmes. Em O diário aberto de R., estamos lidando com a distância mantida entre dois amigos colegiais, capazes de demonstrar carinho num dia, e no seguinte se tratarem com um quase repúdio. Houve uma vez dois verões é mais explícito, e planta no meio de seu romance uma figura anti-romântica por excelência, aquela que troca sonhos de felicidade por dinheiro, conseguido com uma falsa gravidez. Roza agrega ao filme valores insuspeitos nesta que parecia a história de amadurecimento de Chico através de um primeiro amor. Onde havia a lua encantadoramente fake, iluminando a primeira transa na praia, sobra a mercantilização do sentimento. A resposta a esses revezes precisa ter força igual ou maior. Aí entram esses dois diretores apaixonados: por seus personagens e pela própria idéia da resistência do sentimento.

Talvez não exista paralelo no cinema brasileiro de um filme que tenha sabido captar tão bem os humores da adolescência como Houve uma vez dois verões. Vai ver porque não capte mesmo - e sob essa idéia de se conseguir "pescar a juventude" se tenham feito tantos filmes sobre seu protótipo, cheias de clichês emocionais e gírias de almanaque. Furtado faz seu primeiro longa-metragem deixar de ser veículo e passar a ser, ele próprio, uma manifestação da juventude. Isso está expresso desde a escolha do suporte de gravação, o vídeo digital (mídia ainda menina em relação à velha película). Mais que isso, na incorporação do repertório visual dos fliperamas e pinballs, que dão o tom desse jogo de erros-e-acertos em que se transforma a jornada de Chico atrás da garota que lhe extorquiu, mas por quem não consegue evitar "gostar um monte". Até mesmo a belíssima trilha sonora do filme parece vir dos temas desses joguinhos, dando um tratamento harmônico a sua habitual barulheira.

Tudo ali está armado para que os jovens possam acontecer enquanto tais, sem qualquer freio a seu despertar para a vida. O curta-metragem do igualmente jovem Caetano Gotardo abriga uma ambigüidade bastante curiosa neste sentido, equilibrando a experiência íntima de um diário que é, no entanto, mantido abertamente por Caio, com suas confidências sendo escritas na carteira da sala de aula, ao alcance de qualquer um. Era disso, no fundo, que os dois filmes queriam se impregnar: dessa exposição, desse peito-aberto da juventude. E assim eles se mostram, como no longo e tateante diálogo entre Chico e seu melhor amigo, logo após a primeira transa, tão comicamente honesto, ou ainda quando Caio nos revela o sonho em que ouvia finalmente de Rafael que a recíproca de sua paixão era verdadeira. O final feliz não é mais do que uma retribuição a tamanha entrega. Furtado reúne o casal romântico. Gotardo não precisa (e nem poderia) chegar a tanto. Mas crava na carteira escolar, a golpes de compasso, uma lição válida para os dois filmes: o amor permanente, profundo, que não se apaga com borracha.

Confiradiário de R. as 19:00 Horas e logo apos o longa Houve uma vez dois verões as 19:30

*Crítico de cinema, redator e co-editor da Revista Contracampo e colunista do jornal capixaba Século

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